Platão, na sua Apologia de Sócrates, escreveu: “…aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber.”
Tal como Sócrates, “sei que nada sei”. No entanto, muita gente há, que está segura de saber aquilo de que nada sabe. Opinar é um direito, ser dono da verdade, não!
Nos dias que correm, fruto das características de divulgação/publicação furtiva nas redes sociais, é fácil opinar sem (aparentes) consequências. Todos são donos da (sua) verdade.
Todos opinam sobre tudo, sem saber nada. Obviamente que quando me refiro a todos, não poderá haver uma literalidade de interpretação. Felizmente há quem tenha bom-senso e inteligência, paciência e escrutínio para tecer considerações devidamente fundamentadas que irão enriquecer verdadeiramente quem as ler.
Há bastante tempo que partilho desta ideia, mas vivendo em sociedade sou inundado diariamente de “iluminados” que publicam, postam e partilham o que visualmente lhes parece ser interessante. Nada contra, quando tal é feito num contexto meramente lúdico. Mas quando passamos para impressões redutoras, extremistas, sem critério, e que põe o direito de liberdade (que tão simplesmente pode ser a liberdade ao acesso a informação fidedigna), como diria o outro “…fico chateado… eles falam, falam, …”. O resto já se sabe.
Foi ao ler um artigo de uma revista de psicologia que tomei conhecimento do Efeito Dunning-Kruger, o qual pode ser resumido numa frase:
“quanto menos sabemos, mais pensamos que sabemos”.
Trata-se de um atributo cognitivo, que podemos integrar na perspetiva da psicologia social, pelo qual, pessoas com menos competências, capacidades, e/ou conhecimentos tendem a sobrevalorizar essas mesmas competências, capacidades, e/ou conhecimentos reduzidas… ou mesmo inexistentes.
Voltando à filosofia, da qual posso afirmar não ser profundo conhecedor, Plínio (o Velho) referiu “Sutor, ne ultra crepidam”, i.e., “Sapateiro, não vá além do sapato”, frase que transporta o interlocutor a não fazer (dizer) mais do que aquilo que sabe. Tal afirmação sapiente, levou o ensaísta inglês William Hazlit a introduzir e aplicar o termo ultracrepidanismo para o hábito de alguém aconselhar e opinar sobre assuntos que estão para além do seu próprio conhecimento.
Mas felizes de nós se as vítimas do efeito Dunning-Kruger apenas sugerissem; o grave problema é que o fazem de um modo singular: com uma mente rígida e impermeável impõem as suas “verdades absolutas” e devida implicação (escamoteada) da ignorância e incompetência dos outros.
Recuemos no tempo até 1995, viajando até a Pittsburgh (EUA). McArthur Wheeler entrou em dois bancos perto de sua casa, assaltando-os à mão armada. Quase o conseguiu não fosse um pequeno detalhe: não usou qualquer máscara ou disfarce, mas apenas a aplicação de sumo de limão na cara – a famosa “tinta invisível”. Wheeler imaginou que teria o mesmo efeito no seu rosto, tornando-o invisível para as câmaras de vigilância.
Por ser tão facilmente identificado, Wheeler foi preso poucas horas depois. Quando a polícia o levou embora, McArthur Wheeler suspirou em descrença. “Mas eu usava o sumo”.
O caso de Wheeler é tão famoso que deu origem a um artigo académico da autoria de dois investigadores da Universidade de Cornell (NY, EUA), David Dunning e Justin Kruger.
Publicado no Journal of Personality and Social Psychology em Janeiro de 2000, o artigo incide sobre o tema da incompetência, sendo intitulado “Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments”.
Dunning e Kruger mencionam que as pessoas geralmente são maus juízes da sua própria competência. Pior ainda, pessoas incompetentes acham que são mais competentes do que realmente são, e pessoas altamente competentes tendem a subestimar suas habilidades.
Ainda sobre Wheeler. Soube-se mais tarde que a ideia do sumo de limão havia sido sugestão de dois amigos seus, certamente “donos da verdade”. Wheeler testou a ideia aplicando sumo de limão no rosto e tirando uma foto de si mesma, na qual seu rosto não apareceu. Há uma grande probabilidade de Wheeler não ter feito o devido enquadramento no seu “teste definitivo”.
Na sua investigação, Dunning e Kruger realizaram uma série de experiências, onde os participantes eram convidados a estimar o seu grau de eficiência em áreas distintas como a gramática, o raciocínio lógico, entre outras. Pela análise dos resultados, concluíram que, as pessoas incompetentes falhavam em reconhecer sua própria falta de habilidade capacidade/competência, reconhecer as capacidades/competências dos outros e reconhecer a extensão da sua própria incompetência. A boa notícia é que esse efeito é diluído à medida que um indivíduo aumenta seu nível de competência, pois também tem mais consciência das suas limitações; ou seja, após terem o devido treino para os itens no qual “eram incompetentes”, os participantes no estudo começavam a reconhecer e admitir a sua própria falta de conhecimento.
Na prática, há uma tendência para acreditarmos que sabemos tudo o que há para saber. Isso pode tornar-nos pessoas tendenciosas que se fecham ao conhecimento e emitem opiniões como se fossem verdades absolutas. Ou seja, quanto menos sabemos, mais pensamos que sabemos. As conclusões Dunning e Kruger permitiram o estabelecimento de uma representação gráfica.
Há medida que lemos estes parágrafos, certamente somos invadidos pela auto-análise e por alguma introspeção. Segundo Dunning e Kruger, a avaliação da nossa competência será inversamente proporcional à altivez, e diretamente proporcional à humildade de cada um em admitir possíveis falhas e limitações.
Ao escrever estes parágrafos insisti em manter a consciência de que não sou dono da verdade, a manter a obrigatoriedade de pesquisa e busca de fontes diversas, bem como da necessária validação das mesmas. Se as minhas palavras mostrarem competência e capacidades de análise foi apenas porque consegui reunir um conjunto de informação de qualidade resumindo-as neste conjunto de palavras.
Uma forma fácil de compreender e interpretar a expressão gráfica do efeito de Dunning-Kruger é através de exemplos práticos.
Certamente conhecemos determinada pessoa que podemos incluir em cada um dos pontos chave do gráfico ao lado. É um exercício curioso, que pode mesmo tornar-se divertido. Seja um conhecido, um familiar, um político, nós próprios, é um exercício que importa fazer.
No dia-a-dia também podemos cometer erros devido à falta de experiência e à valorização excessiva (mas menos consciente) das nossas capacidades. Os erros não devem ser considerados negativos e não devemos fugir deles; em vez disso, podemos transformá-los em ferramentas de aprendizagem. No entanto, não é necessário tropeçar continuamente na mesma pedra. Devemos ficar atentos a esta ambiguidade cognitiva, porque a incompetência e a falta de autocrítica, não nos levarão apenas a conclusões erradas, mas também a tomar más decisões que nos acabam por prejudicar.
Isto significa que, em alguns casos, a responsabilidade pelas “falhas ou erros” ao longo da vida não recai sobre os outros, nem é culpa do azar, depende exclusivamente da nossa auto-avaliação.
Para que um indivíduo minimize o efeito Dunning-Kruger, e não se torne na pessoa que pensa em tudo sem ter ideia de nada, é importante estar ciente da existência do referido viés cognitivo, deixando espaço para dúvidas, para diferentes maneiras de pensar, ser, estar e fazer. É imperativo pensar com respeito sobre as ideias dos outros; mesmo tendo uma opinião definida e bem alicerçada em factos, é importante tentar não a impor.
Devemos lembrar que ninguém é especialista em todas as questões do conhecimento e áreas da vida, todos temos deficiências e ignoramos muitas coisas. Portanto, é melhor encarar a vida com humildade e com a atitude do aprendiz.
Surge agora a questão: como lidar com pessoas que não reconhecem sua incompetência ou ignorância?
Pessoas que falam sobre tudo sem ter uma ideia e que subestimam os outros, geralmente geram um grande desconforto. A primeira reação de quem as ouve será de irritação ou raiva. Há que aprender a manter a calma, não dar relevância ao discurso (incompetente) e, principalmente, não empoderar o “orador”; a opinião de uma pessoa que não é especialista num assunto, e que provavelmente nem sequer sabe do que fala, não deve ser significativa.
Para não alongar a conversa basta um “ouvi a sua opinião. Obrigado” e problema resolvido. Caso deseje que a pessoa saia do seu estado de ignorância e fique mais consciente de suas limitações, tudo o que pode fazer é ajudá-la a desenvolver suas capacidades nessa área. Evitar a todo o custo frases como “você não sabe do que está a falar” ou “você não tem ideia”, pois assim fará com que a pessoa se sinta atacada e próxima das suas propostas ou opiniões.
Em vez disso, apresentar uma nova perspetiva, sendo que o objetivo é tornar a pessoa aberta a diferentes opiniões e a maneiras distintas de fazer as coisas.
Seja pessoalmente ou virtualmente, no convívio social informal, ou num contexto profissional, importa ter e transmitir a enfatização da ideia de que todos somos inexperientes, ou até mesmo profundamente desconhecedores de alguns campos. Não existe nada de mal nisso. A ignorância é uma excelente oportunidade de continuar a aprender e a crescer como indivíduo.
Fontes:
• Kruger, J. & Dunning, D (1999) Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments. Journal of Personality and Social Psychology; 77(6): 1121-1134;
• McCormick, A. et. Al. (1986) Comparative perceptions of driver ability— A confirmation and expansión. Accident Analysis & Prevention; 18(3): 205-208;
• Mayport. McArthur Wheeler. Mayport Wealth Management. 2019. Disponível em www.mayport.com/2019/mcarthur-wheeler. Acesso em 18.abril.2020;
• Efeito Dunning-Kruger na Fisioterapia. 2018. Disponível em fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/efeito-dunning-kruger. Acesso em 18.abril.2020;
• Skeptical Raptor. A massive epidemic of the Dunning-Kruger effect in the anti-vaccine world. Daily Kos. 2018. Disponível em www.dailykos.com /stories/ 2018/7/31/1784894/ -A-massive-epidemic-of-the-Dunning-Kruger-effect-in-the-anti-vaccine-world. Acesso em 18.abril.2020.